domingo, 22 de março de 2015

     PAIS NA EDUCAÇÃO

 PERSPECTIVAS EUROPEIAS


Traduzido de uma comunicação apresentada em Abril de 2001 por Birte Ravn, da Universidade Dinamarquesa da Educação, à VIIIª Conferência Internacional da Associação Internacional para a Formação e Pesquisa em Educação Familiar no Quebec, transcrita em policópia pela Conferência Europeia de Pesquisa Educacional (ECER) datada de 25/11/2002 [que decorreu na Faculdade de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa].

Têm decorrido diversas iniciativas para criar ligações e estabelecer programas de participação envolvendo pais/famílias, alunos, professores e a sociedade local. 
(....)
A concepção crescentemente reconhecida de uma aprendizagem construtivista e aperfeiçoada da aprendizagem constitui justificado fundamento para uma participação e diálogo entre todas as partes implicadas na educação das crianças. Birte Ravn desenvolveu um modelo de ACÇÃO CONJUNTA para  a prática da participação e diálogo entre os interessados, apresentando um exemplo do processo desenvolvido na Dinamarca. Historia igualmente a evolução desta participação.

I.  Evolução das concepções de participação entre pais/familiares e escola/professores.
II. Divergências no contexto cultural dos pais na educação.
III. Evolução dos conceitos de aprendizagem.
IV. Como criar a participação.

I. Evolução dos conceitos de participação.
Desde os anos cinquenta  do século passado, sucederam-se quatro modelos de participação dos pais com a escola:

     ●    Modelo compensatório
     ●    Modelo de consenso
     ●    Modelo de participação
     ●    Modelo de partilha de responsabilidades

Nas décadas de sessenta e setenta, com base numa ideologia de igualdade de oportunidades, prevaleceu o modelo de educação compensatória, destinada aos estratos sócio-económicos mais desfavorecidos. Durante este período, a pesquisa começou por estabelecer a família como primeiros educadores das crianças em termos de socialização precoce. Eventualmente, reconheceu-se que as relações sociais no interior da família conjuntamente com os processos de relacionação da família influenciavam a aprendizagem da criança na escola. Não apenas a base social mas também a atmosfera cultural e emocional na família. Consideraram-se os pais como co-educadores.

Nos anos setenta e oitenta, prevaleceu o modelo consensual, relativamente ao sistema educativo oficial e à escola, colocando ênfase na informação aos pais. Estabeleceu-se assim uma comunicação unidireccional. Reconheceram-se em igualdade, as escolas e as famílias, como instituições socializadoras. Os professores foram compelidos a alargar as suas tarefas, à medida que se diluía a distinção entre o papel da família e o papel da escola, integrando nas suas funções não só os cuidados cognitivos da aprendizagem mas também os afectivos, as atitudes, as regras e os valores.

Nas décadas de oitenta e noventa, o modelo de participação ganhou interesse, sendo reconhecido aos pais um papel central na tomada de decisões e na sua implementação, como elementos activos no apoio aos seus filhos em matérias educacionais, legitimando uma continua solicitação às escolas do desempenho de novas tarefas. Paradoxalmente, à medida que a escola assume novas funções de socialização e educação, o papel educativo da família vai-se, numa certa extensão, desvanecendo.

Esta situação conduziu ao modelo de responsabilidade partilhada e ao envolvimento dos pais na condução das actividades que beneficiem os seus filhos.
As ideias de igualdade que sustentaram os modelos compensatório e consensual parece não terem alcançado as expectativas, sendo a culpa disto largamente atribuída ao sistema educativo. Estes resultados justificaram que, também em matéria de educação, se adoptasse uma filosofia de consumo, atribuindo ao indivíduo a decisão sobre as necessidades de consumo da educação. Isto justifica, embora complique, a implementação do modelo de participação. A educação passa a considerar-se um serviço a prestar, e o papel e a participação dos pais passam então a ser tomados como valores nesse serviço. Emerge assim uma nova configuração do poder no governo da escola, atribuindo aos pais, como consumidores de educação, direitos, responsabilidades e interesses, em vez de os considerar meros produtores de educação através do exercício de uma partilha política. Na Escandinávia, vigora um modelo que considera os pais, individualmente ou em grupo, parceiros negociais do Estado.

A despeito das anteriores tendências globalizantes, é contudo evidente que falar de participação em educação está ainda longe de uma identidade de conceitos e intenções. Pais, professores, autoridades, políticos, diferentes escolas e regiões da Europa têm compreensão e opiniões divergentes sobre a participação dos pais/família e dos professores/escola e da divisão de responsabilidades nas tarefas educativas. Diversos autores questionam não só o verdadeiro sentido da participação mas também, a este respeito, o profissionalismo dos professores. O sentido e os lugares em que decorrem estas discussões reflectem, na pesquisa, o contexto cultural em que se desenvolve esta participação e a ideia do envolvimento dos pais na educação.

II. Divergências, consoante o contexto cultural, sobre o envolvimento dos pais na educação.

        Ao passo que no norte da Europa o foco incide sobre a forma como os professores e as escolas desenvolvem os processos educativos e tomam os alunos a seu cargo em cooperação com os pais, no sul da Europa, ele incide sobre o modo como as famílias podem ser ajudadas nos custos e na educação dos filhos. É importante focar a doutrina da Igreja que, centrada no princípio da subsidiaridade, atribui à família uma responsabilidade fundamental na educação dos filhos.
Na Inglaterra, o receio de ceder demasiado aos organismos estatais, e de uma ainda muito espalhada falta de confiança nas escolas financiadas pelo Estado, dá-se grande importância à aprendizagem no lar, separada da aprendizagem na escola. Verifica-se assim um grande crescimento de material de ensino no lar.

III. Evolução dos conceitos de aprendizagem.

O conceito de conhecimento é crescentemente concebido mais como uma construção pessoal do que uma transferência de informação. A aprendizagem não é independente da interacção nem do contexto. Quando as pessoas procuram resolver problemas no trabalho, ocorre uma troca de experiências num processo de transferência que cria novos conhecimentos para todas as partes envolvidas.  Cada processo de aprendizagem tem lugar num contexto particular que tem uma influência decisiva nos resultados. O contexto é uma relação, mais do que uma entidade: a interpelação pessoal, o clima social, as estruturas físicas e conceptuais, a cultura e o propósito da interacção ou da participação. Além disso, nas actividades cognitivas, a ênfase psicológica é colocada no papel do contexto. As capacidades da criança emergem de forma muito diferente no ambiente familiar e na escola — “o laboratório”. Existe um crescente reconhecimento da influência das actividades afectivas e de comunicação sobre os aspectos cognitivos da aprendizagem. A abordagem construtivista da aprendizagem pode ser reportada a Piaget e outros. Cabem em particular a Vygotski e a Jean Leave os trabalhos sobre as perspectivas da aprendizagem em contextos e situações determinadas.

Na escola ou em casa, a criança, os pais ou a família e os professores, são os seus principais interlocutores. Tendo em vista um aumento do conhecimento dos benefícios educacionais deste elaborado conceito de aprendizagem, centra-se a atenção na pesquisa e na prática, conceptualizando razões para encarar os pais como parceiros fecundos na educação e traçar novos caminhos para gerir a relação entre aquelas três partes.
É evidente que muita pesquisa relacionada com as ciências sociais e humanas abrange mais largos objectivos. As teorias da causalidade e das tentativas-e-erros não bastam para explicar as relações sociais no contexto humano, e as variáveis genéticas e sócio-económicas não explicam satisfatoriamente as diferenças de rendimento das crianças na escola, embora a ligação entre o envolvimento parental e as realizações do estudante venham sendo geralmente aceites. Têm sido em geral identificadas as características familiares como uma influência determinante naquele rendimento.

IV. Desenvolvimento da participação.

Nos finais dos anos oitenta, segui com interesse, durante três anos, em três diferentes escolas da Dinamarca, os actos de comunicação e a cooperação entre os pais e os professores. Como resultado deste estudo desenvolvi um modelo de acção conjunta com o objectivo de impedir o risco de manter ou estabelecer relações que colocassem os participantes em condições de desigualdade e assimetria, prevenindo desvios nos actos de comunicação. O modelo baseou-se em necessidades humanas básicas nos actos de participação e comunicação, que classifiquei em valores de experiência e valores de influência.

Valores de experiência: experiência de auto-confiança, independência, identidade, convergência, pertença, solidariedade, segurança;

Valores de influência: Ter oportunidade de actuar, fazer o que se sente que é bom, utilizar o que se
conhece.

Acção conjunta.
A acção conjunta é um modelo nascido do reconhecimento de que muitos actos de comunicação e cooperação entre o lar e a escola são assimétricos. Numa palavra, a acção conjunta é uma questão de deixar que cada um no processo de cooperação tenha a oportunidade de dar e receber em ambiente de mútuo respeito e de assegurar os actos de comunicação como um processo dialéctico, no qual se assegura que nenhuma das partes determina continuamente as ideias, os pensamentos, os mitos ou os paradigmas que limitam os horizontes do diálogo, da participação, e dos valores básicos. Deve ser possível que todas as partes envolvidas possam trocar e exprimir ideias e pensamentos.

A acção conjunta implica quatro funções que são fundamentais para cooperar de forma a tornar a participação experimentada e controlada em respeito mútuo. Isto pode explicitar-se através de quatro conjuntos de questões significantes a que devemos responder e considerar.

Que oportunidades damos aos nossos parceiros:

[a função expressiva] .... para se exprimirem em palavras, capacidades, fantasias, sentimentos? Damos tempo para permitir que as coisas venham ao de cima? ...ajuda-mo-los a que se exprimam?

[a função social].... para actuar em conjunto, fruindo experiências comuns — leva-mo-los a conhecer-se entre si? Fazemos coisas em comum? — Brincamos e gracejamos em comum? — Desenvolve-se um sentimento de pertença ao grupo?

[a função informativa]....para trocar documentos de informação suficientes e qualificados em termos igualmente apreciados? — para gerar em comum e complementarmente conhecimentos como base de uma acção conjunta? — É a informação de uso comum compreensível e relevante para os outros como para nós próprios?

[a função de controle] ....para influenciar e controlar o desenvolvimento em que cada um toma parte?
Para gerar e partilhar uma base consistente de acção e tomada de decisões?

    Quando os encontros e as disputas não produzem outro resultado senão brilhantes discussões, esmorece o interesse dos pais e de outros participantes. Se os professores consideram que os pais estão pouco interessados ou envolvidos, a razão pode bem ser que eles não tenham sido convenientemente alertados, motivados ou envolvidos no contributo ou nos benefícios da acção conjunta.

    A acção conjunta implica vários tipos de encontros, vias de informação e troca de impressões em diferentes tempos e ocasiões. Há que levar em conta as diferenças culturais e sociais dos pais e do ambiente familiar. Não é possível estabelecer formas de actuação permanentes, mas podem e devem buscar-se continuamente acções que respondam a estas questões. 
     Tendo em atenção o modelo de acção conjunta e em mente a concepção de aprendizagem elaborada, estão criadas condições para projectar e realizar uma participação genuína e democrática na aprendizagem
da criança.

Um processo de aprendizagem que contemple apoios convergentes, cooperação conjunta das gerações e convide a uma participação mais extensa dos pais na educação, aspira a um desenvolvimento cognitivo, afectivo, social/comunicativo e ético/moral (alargado à escola); amplia-se a um domínio aberto à natureza, à cultura e à sociedade assente na integração de elementos estéticos/artísticos, práticos e intelectuais; processa-se estimulando e activando os alunos e os adultos na geração/criação do seu próprio conhecimento; desenvolve-se construindo em cooperação e acção conjunta o conhecimento de temas, em que se cruzam os saberes dos grupos etários e profissionais envolvidos.

     O governo dinamarquês influenciou e estimulou em toda a Nação, a partir de 1988, a criação e o desenvolvimento destas ideias. Para implementar algumas destas ideias as escolas foram convidadas a trabalhar em currículos de interesse local. Os resultados destas acções sugerem que se desenvolvem novas e mutuamente válidas relações quando os pais são convidados a juntar-se aos professores e aos alunos na planificação de actividades de aprendizagem e em proporcionar ideias e capacidades pessoais e  académicas, ao ensino e aos processos de aprendizagem das suas crianças em diversos campos do conhecimento.

Em geral, contudo, parece difícil para os professores, empenhar e envolver os pais nas actividades de aprendizagem, em virtude dos seus hábitos profissionais.— mesmo na Dinamarca. No entanto, não oferece dúvida que cada vez mais professores reconhecem os benefícios pessoais e profissionais desta participação e não menos porque a pesquisa nos diz que as crianças estão sendo cada vez mais abandonadas aos seus companheiros e às instituições/escolas que frequentam. 
Regista-se ainda a conclusão de quanto é importante a partilha de valores e objectivos na criação de tarefas e  condições facilitadoras da aprendizagem, onde todos os parceiros podem contribuir com os seus diferentes conhecimentos e capacidades e que as escolas e a comunidade educativa desempenham papeis diferentes mas complementares no desenvolvimento de uma colaboração participada — a educação necessita das comunidades quanto as comunidades necessitam da educação.

     Por deferência da  Direcção do Colégio Marista de Carcavelos, o Tradutor implementou,  em 2001/2002, na aula de matemática duma turma do 1º ano do Ensino Básico, um modelo de acção conjunta, que foi apresentado na Secção 14 da ECER 2002. Esta acção foi transcrita no Blog "Os Pais e a Escola", onde constam as avaliações dos Pais que nela participaram.

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